O ABC do (não) turismo em Piatã, Bahia

16/09/2010 15:00

A cidade turística de Piatã no coração da Bahia está sem turistas. E não é por acaso ou azar.

Por ardaga 28/10/2009 às 10:49

Piatã, uma das maiores atrações do Circuito do Ouro, da Chapada Diamantina, destacando-se por suas belas paisagens, onde com certeza, a natureza caprichou nas suas belas cachoeiras, rios, montanhas e um verde exuberante. Assim se lê num anuncio da Prefeitura no guia Compre Aqui de 2008. Impõe-se a pergunta: Cadê então os turistas? Muitos Piatenses afirmam que o turismo não vai em frente devido a uma precária infra-estrutura (de hospedagem). Bom, é uma opinião. Uma opinião, porem, que não compartilho. Trabalho quase 20 anos (também) no turismo e com turistas e sei que a suposta falta de conforto não mantém visitantes afastados. Digo "suposta" porque na verdade há sim pousadas confortáveis o suficiente para (meus) clientes acadêmicos da Europa.

Turistas de qualidade (aqueles com os quais trabalho) se interessam é por três categorias de coisas: manifestações culturais autênticas e autóctones, belos recursos naturais intactos e protegidos, qualidade de vida no lugar que visitem ou pretendem visitar. E é aqui, nestes três pontos, onde achamos a explicação do não-turismo (de qualidade) na comarca de Piatã. Vamos olhar detalhadamente.

A) Manifestações culturais e/ou artísticas nativas e originais: Não as têm. Fora tal vez, e com cortes e reservas, a Festa de São João que neste ano corrente enfatizou ao menos no forró arrasta-pé de instrumentos e atmosfera autênticos. Todas as outras festas promovidas na cidade são uma sinistra e condensada prova da falência de arte e gosto populares que está arrasando o país todo. É barulho cacofônico com letras que alegrem (tal vez) chauvinistas, bêbados e tolos. E é barulho que começa muito tarde e inferniza (aqueles que não querem ser violentados por tais espetáculos) até a madrugada sem dor nem misericórdia. Turista de qualidade, isto é de instrução e cultura e dinheiro para gastar, não quer nem ficar perto. Nem se for pago. Ao contrario: ele está viajando porque quer ficar o mais longe possível de tais orgias vulgares de barulho (que ele, às vezes, tem que suportar no seu dia-a-dia na realidade urbana). Seria mais propicio e mais barato investir em jovens aprenderem instrumentos e música regional e/ou nacional de qualidade para que possam entreter moradores e turistas com som decente em vez de esbanjar dinheiro público em bandas na onda da péssima qualidade. E em caso de chuva? O que vai fazer o turista em Piatã? Há um centro cultural? Há um ponto de pesquisa e informação (no mínimo bilíngüe)? Há um cinema, um teatro (e seja um teatro infantil ou de títeres, por exemplo)? Há exposições de artistas locais? Há um museu do café? Há um museu (e/ou material áudio-visual) para ele aprender sobre o passado escravista? Há um ponto da poesia? Há um bar-restaurante de artes? Há ginásio onde pode jogar uma bolinha (com seus filhos)? Não. Nada disso. O que há é um número infinito de bares onde pode encher a cara com cachaça. Até da boa. Porem, turista de qualidade não busca isso. Algumas cidades brasileiras já entenderam o recado (antes tarde do que nunca). Antonina no Paraná, por exemplo. Ou Caruaru em Pernambuco ou Bertioga em São Paulo. Outras cidades piorem cada vez mais seu perfil apostando cada vez mais em banalidades barulhentas e festas para agradar cachaceiro e estão enterrando, deste modo, seu futuro como lugar de turismo de qualidade. E Piatã continua hibernando sem sinal de ao menos pensar e discutir seu perfil cultural e seu futuro (turístico).

B) Natureza intacta e protegida: Outro item igualmente inexistente e, portanto, outro item que mantém os turistas de qualidade longe da comarca de Piatã. O que vemos ano por ano são queimadas e incêndios. É rotina. (E seria pior se não houver os corajosos voluntários combatendo esses incêndios!) Vemos transformação de mata em terras de agricultura sem consideração nem de fontes ou margens de rios. Maciça e descontrolada aplicação de agrotóxicos para o aumento do lucro de poucos. Achamos cacos de vidros ao longo das poucas trilhas que existem (pra Capelinha, por exemplo) e na beira dos rios onde se toma mais cerveja do que banho. Temos que enfrentar bandos de cachorros soltos e agressivos pra chegar nalguma beleza natural ainda intacta (ao chegar à cachoeira do Patrício, por exemplo). Achamos pichações em cima de pinturas rupestres que são milenares vestígios de antigas culturas originais. Em muitos lugares do município não podemos tomar banho porque são infestados de esquistossomose. Sem alerta, sem aviso! Levando o eventual banhista ao risco de morrer! A vida selvagem é de fato exterminada. Até para visualizar cobra ou tatu é difícil. E os pássaros achamos em maior quantidade é nas gaiolas de pessoas (que burlam as leis ambientais). Nem as árvores têm vida garantida. Corta-se as velhas sem plantar novas. Ora, quem vai trabalhar duro o ano inteiro para depois gastar seu dinheiro para ir a um lugar onde se acaba com a natureza em vez de proteger-la? Não sei responder essa pergunta. Mas sei que turista de qualidade com certeza que não!

C) Qualidade de vida da população: Qual a qualidade de vida da população em Piatã? Para saber isso vamos checar quais os ingredientes que compõem o dia-a-dia num bairro popular. Cachorros (e gatos) vagando (ou acorrentados) por aí. Carregando e dissipando vários agentes provocadores de doenças sérias. Com direito a duelos ou monólogos intermináveis de latidas. Também durante a noite. Carros de som (que, ao menos, se movimentam e, às vezes, espalham noticias importantes), caixas de som estrondeantes de comerciantes ou casas (e carros) particulares inundando tudo em redor num inferno de barulhada. Uma mega-população de pernilongas e mosquitos como raramente se vê em qualquer outro lugar do mundo. Cuja proliferação vem sendo favorecida pelo estado sanitário miserável. Esgotos correndo nas ruas. Esgotos se acumulando no fundão entre o bairro do Ribeiro e da serra do Santana criando ali um pantanal de água contaminada. E, no meio disso, vacas pastando. Caixas de água destapadas em tudo que é canto. Até em pleno centro. Agentes de saúde que os moradores nos bairros populares pagam com seus impostos, mas só conhecem de nome porque nunca apareçam nas casas como deveriam. Em fim uma situação geral de saúde pública nos bairros das pessoas mais humildes que faz lembrar paises com infra-estrutura destruída por guerras como no Afeganistão, por exemplo. Com a diferença fundamental que aqui não teve guerra. Só a velha ausência e negligência crônicas de detentores políticos para com o povo, que consideram bem menos importante que suas carreiras. Muitos jovens sem emprego e sem nada a fazer. E muito consumo (abusivo) de drogas lícitas e aos poucos também de drogas ilícitas. Eis o coquetel que prepara e garante explosões sócias e crimes violentos. Eis, também, o coquetel que faz os melhores jovens ir embora à busca de um lugar onde sim possam construir o futuro que sonham. A notória drenagem de cérebros que é bom só para político mesquinho e outros exploradores dentro e fora da lei. Turista de qualidade e nem ninguém que tem um pingo de consciência social gostam disso. Aí pergunto mais uma vez: quem vai trabalhar duro o ano inteiro para depois gastar seu dinheiro para ir a um lugar onde se vê tanta falta de qualidade de vida, tanta barbaridade administrada? É por esses fatos e essas razões porque digo que não é a falta de infra-estrutura de hospedagem que impede o turismo (de qualidade) em Piatã. É a falta de vontade e capacidade da parte dos detentores de aprender o ABC. Este ABC! E enquanto isso não acontecer e enquanto o povo não aprender não vender seu voto, mas votar apenas em quem apresenta úteis projetos de verdade eu continuo fazendo minha parte e cumprindo com a minha responsabilidade para com meus clientes: não recomendando a visitação do município de Piatã.