A escassez da água e a luta pelo poder

Ardaga 03/10/2012
Falta água em todo interior da Bahia. (E não “só” da Bahia.)

Faltam poucos dias e eleitoras e eleitores País afora decidirão sobre sua administração municipal dos próximos anos.
Passei, durante os últimos dias, por vários municípios da nossa região no interior baiano. Por cidades e vilas. E pude observar e confirmar, deste modo etnólogo nômade, a geral falta d’água e a geral falta de esperança política.

Enquanto em países e regiões menos flagelados por uma farsa educativa institucionalmente administrada (através de redes de TV de idiotização progressiva e de “escolas” vulgo matadouros de fantasia e raciocínio) estava crescendo uma consciência (e, portanto, um AGIR e/ou votar) conscientemente ambiental e global, vemos aqui, na Chapada Diamantina, antes o contrário.

Quem ainda tem água a esbanja a vontade. E os candidatos “políticos” (aspas essas necessárias devido a ampla ausência de conteúdos propriamente políticos nas coligações que antes se assemelham a quadrilhas mafiosas) estão na ostentadora vanguarda da tradição da deseducação e do egoísmo sem escrúpulos.

Exemplo Piatã. As ruas onde tem maioria de eleitores considerados fieis ao atual prefeito (vulgo chefe da máfia local) têm água todos os dias e quase todas as horas. Aquelas áreas consideradas de “oposição” às vezes não tem abastecimento d’água dias a fio. Como a minha.
O que significa isso para as famílias sem caixa d’água e com crianças pequenas e/ou idosos todo mundo sabe imaginar (se quiser).

Mas nunca, nunca mesmo, falta água nos pontos de lavagem de carros. As enormes caixas d’águas desse tipo de serviço estão sempre cheias. Todas as manhãs se pode observar lá é as filas de carros. Os donos esperando sua vez de se tirar poeira de seus queridos símbolos de posse. Com água potável. Aquela água que falta em dezenas, senão dezenas de casas. Quase todos esses carros ostentam adesivos de candidatos “políticos”.

Ritual diário esse em conseqüência direita do costume “político” de fazer carreatas. Não passa uma semana sem que ao menos um dos candidatos organiza uma absurda corrida de motorizados pelas estradas empoeiradas do município. Que dura horas e horas, consome enormes quantidades de combustível e inferniza adicionalmente pelo terrorismo sonoro cometido dessas caravanas do absurdo.

Digo “absurdo” por vários motivos.

Em plena época de aquecimento global e poluição e destruição ambiental precisamos é exatamente o contrário: Cada vez MENOS veículos movidos por combustíveis poluentes rodando.
Em plena época de mudança climática e ressecamento progressivo do clima na nossa região precisamos exatamente o contrário: Cada vez MENOS veículos rodando e menos água esbanjada para limpar estes fetiches após seu uso absurdo e – no meu ver – criminoso.
Em plena época de privatização (roubo organizado) dos bens públicos essenciais como água e acesso à terra precisamos é exatamente o contrário: Cada vez MENOS coronéis mirins e falastrões cujos “argumentos políticos” únicos são “a força” do barulho, mas candidatos e vencedores nas disputas eleitorais que têm consciência sócio-ambiental e agem e proponham planos em congruência com ela.
Candidatos, enfim, que são bem mais raros que os diamantes na nossa região Chapada Diamantina.

Li, uns dias atrás, no jornal gaúcho Zero Hora da Marina Silva. Que faz campanha. Que apóia candidatos do Amapá até o Rio Grande do Sul que se comprometem com o meio-ambiente. Independentemente de sua afiliação partidária. Que disse que não pode, só um exemplo de congruência, apoiar candidatos do PC do B. Por ser esse o partido que mais estava se esforçando para a degradação (da legislação) do meio-ambiente. (Veja o então relator de mudanças no Código Florestal e agora ministro de esporte Aldo Rebelo.)

A principal responsabilidade para tais absurdos anacrônicos em plena época de ressecamento do Nordeste e progressiva escassez do bem mais importante (após o ar) para nossa sobrevivência, a água, é nossa. E não dos descarados politiqueiros e candidatos mafiosos. Nem dos donos e muito menos dos trabalhadores de pontos de lavagem de carros.

Como assim?

Pergunto: O que você já fez para impedir ou entrar na contramão do absurdo em andamento?
Diante o absurdo, diante o crime, diante a injustiça vale a mesma máxima: Quem não se levanta e age contra torna cúmplice.


Mas ainda tenho um pouco de esperança. Hoje mesmo passei novamente por um dos pontos de lavagem de carros. Com uma fila de cinco carros na espera. Todos eles com adesivos da coligação 11. (Mas em outros dias vi, também, os do grupo 14.) Aí um dos moços na fila me perguntou se não tiver água no ponto. Como não acredito em coincidências entendi e aproveitei essa abordagem como convite. Convite a fazer a minha parte. E comecei a perguntar o moço se seu carro precisasse do brilho para rodar. Se ele tiver consciência que na cidade têm famílias inteiras sem nenhum pingo d’águia em casa. Se ele poder-se-ia sentir bem no seu carro lavado com aquela água que faz gritar um nenê em outra casa qualquer...

E aconteceu um pequeno “milagre”. O moço não reagiu como é “normal” em tal situação. Não começou a xingar. Não começou a agredir. Não me mandou a merda. Nem de cuidar da “minha vida”. Ouvia. Contra-argumentava em parte. Concordava na essência. E uns cinco minutos após ter me perguntado sobre a água na caixa do ponto nos apertamos as mãos e ele saiu da fila. Voltando à casa. Com poeira no carro. E com brilho na consciência e na ética.

O nome do moço é Fernando. Meu é Ardaga.

Novo comentário